terça-feira, 6 de novembro de 2012

A Terceirização dos Filhos

       Amo as crianças. Amo seu interesse em aprender, sua inocência, seu encantamento diante de coisas simples como se fossem verdadeiros tesouros. Fico maravilhada quando converso com elas, procurando entender como pensam e como vêem o mundo. Me emociono quando as vejo fazer pela primeira vez algo que nunca tinham feito antes: conseguir pular em um pé só, traçar o contorno da mão, construir uma torre, ler uma palavra, escrever uma história… Seu sorriso ilumina seus rostos, chegando aos seus olhos, e contagia todos os que têm sensibilidade de ver que aquele momento é um pequeno milagre. Uma nova sinapse, um novo conhecimento.
       Por mais desanimada ou cansada que eu estivesse, nunca foi difícil estar entre alunos. Eles sempre me revigoraram, me fizeram sorrir e me sentir melhor. Bilhetes, abraços, olhares… essas recompensas fazem tudo valer a pena.
       As crianças mais maravilhosas, mais felizes, mais equilibradas e interessadas, geralmente têm uma família incrível por trás: pais que se importam com sua formação, que se dedicam a ver o mesmo encanto que eu vejo nessas descobertas, que sabem que não são perfeitos, e nem seus filhos, mas que a beleza está aí, na provisoriedade do conhecimento e na possibilidade de mudança.
       Mas às vezes vejo crianças que são algozes dos colegas, dos professores, dos assistentes. Que aos quatro anos dominam seus pais completamente, impondo suas vontades: “Quero isso já!”; “Não vou tomar banho hoje!”; “Não como isso!”. Vejo-as crescerem manipuladoras, criando situações com seus próprios colegas para “se dar bem”. Vejo os pais apoiando comportamentos egoístas e egocêntricos como se eles e seus filhos fossem mais especiais que os outros. Colocando seus filhos na posição de vítimas, incompreendidos pelo mundo, e exigindo satisfações de tudo e todos.
        Fico muito triste quando os pais se colocam como adversários dos professores, e não como seus aliados, na formação das crianças, porque quem sofre com isso são seus próprios filhos, pegos em disputas de poder entre os lados.Como fica a formação ética dessas crianças que não sabem ouvir um não, não sabem ver outros pontos de vista, não sabem se frustrar, não sabem pensar em ninguém exceto em si mesmos?
        Vejo que a função de algumas famílias se restringe a pagar as contas dos filhos: a escola, a babá, os brinquedos, a viagem à Disney… e quanto mais ausentes (e talvez, inconscientemente culpados) se sentem, mais compensam materialmente algo que deveria ser dado emocionalmente. O vínculo que estabelecem com seus filhos é baseado em materialidades. Triste posição!
        Esses pais se vêem como “clientes” da escola, pagantes por um “serviço” que esperam receber conforme suas expectativas. E como dizem, “o cliente sempre tem razão”. Por isso, eles chegam à escola exigindo e demandando, tentando humilhar todos os que negarem suas exigências. São como os filhos que estão criando: imaturos, emocionalmente frágeis, com baixa resistência à frustração, incapazes de ver o contexto maior, escravos de seus desejos e vontades. Nunca encontrarão um lugar que atenda todas as suas expectativas, pois ao lidar com uma instituição que prima pela coletividade, como a escola, não vêem que os desejos individuais de cada membro são diversos e que é impossível atender a todos. E seguirão zangados, por não encontrarem a satisfação às suas expectativas irreais.
        Amei vários de meus professores, tanto que neles me inspirei para seguir minha carreira. Amei o encantamento pelo saber que eles, e minha mãe também, me inculcaram. Mas não me lembro de ter tido razão sempre, nem de ter todos os meus desejos atendidos, quando era criança na escola. Ainda bem!
        Tenho dó das crianças dessas famílias, pois estão sendo privadas por seus pais de se desenvolverem plenamente, de ver que o mundo não foi feito em função de seus desejos. É importante ouvir não às vezes. É importante saber se frustrar.

“Não cabe aos pais adaptar o mundo todo aos seus filhos. Sua tarefa principal é fortalecer seus filhos para viver no mundo, e transformá-lo em um lugar melhor para todos”

         Ter filhos dá trabalho, é difícil. Não temos todas as respostas. Não somos onipotentes. Mas ter filhos é maravilhoso quando podemos aprender com eles a sermos pessoas melhores, e ajudá-los a serem tudo o que podem ser.
         Isso é plenamente possível. As crianças mais maravilhosas, equilibradas e felizes tiveram o privilégio de nascer nessas famílias, que se importam com sua formação e não em ter sempre razão. E por todo o belo trabalho que estão fazendo, esses pais receberão a recompensa de ver seus filhos se orgulharem deles, amá-los e estar ao seu lado por toda sua jornada. Verão seus filhos crescerem, se fortalecerem e frutificarem em boas pessoas, seres humanos melhores para si mesmos e para os outros.
        Quem dera todos os pais assumissem a responsabilidade pela formação integral de seus filhos!

Selma Moura

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