por Carol Maia em 20-10-2012
O
Observatório Feminino dá continuidade a série Adoção: quando o afeto pede
espaço com a entrevista de Élio Braz, Juiz da 2a Vara da Infância e da
Juventude do Recife. Os avanços do âmbito jurídico e a interdisciplinaridade
das ciências sociais no processo de adoção são alguns dos assuntos em pauta.
Não só para os pretendentes à adoção, uma boa oportunidade para se atualizar
sobre o tema.
OF
– Ainda pode se considerar difícil adotar uma criança no Brasil?
EB – A
prática atual no Brasil se dá através do Cadastro Nacional de Adoção. Esta
prática permite que a pessoa que entrou no Cadastro, – existindo a criança do
perfil desejado – em menos de uma semana seja convocada para receber a criança
e iniciar o estágio de convivência. A dificuldade que as pessoas falam não é
provocada pela Legislação nem pelo Poder Judiciário. Essas dificuldades são
trazidas para o Judiciário porque algumas famílias resolvem pegar criança fora
do Cadastro. Normalmente, pegam uma criança de família muito pobre, às vezes,
até no interior do Estado. Não colhem as informações corretas, não têm os
documentos corretos, nem se quer sabem o nome da mãe e o endereço. Comparecem
em juízo dizendo que querem a adoção e acham que a justiça vai homologar e
legalizar uma situação ilegal. Nós somos obrigados a investigar. Porque o
direito da criança é o mais importante e nós precisamos saber se essa criança,
de fato, foi vítima de sequestro, venda, suborno, de alguma irregularidade, de
alguma ilegalidade ou de algum crime. Vai demorar porque vamos ter que oficiar
a GPCA (Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente), aos Conselheiros
Tutelares, às maternidades e investigar tudo. Só podemos conceder a adoção com
a situação totalmente esclarecida e legalizada.
OF –
Então esse processo burocrático funciona como proteção a vida da criança?
EB – Não
é um processo burocrático, é um processo de segurança para as adoções de
crianças que não estão no cadastro. Há muitas famílias por conta e risco
próprio que resolvem pegar uma criança no interior, em alguma comarca, e depois
aparecem em juízo para fazer a adoção. Isso do ponto de vista da lei é
proibido. Só é possível adotar crianças fora do cadastro naquelas hipóteses
previstas pelo Art.50, parágrafo 13, do ECA. São elas: 1) adotar o filho do(a)
companheiro (a), a chamada adoção unilateral ; 2) adotar uma criança ou
adolescente, filho de um parente próximo; 3) caso a pessoa tenha a guarda ou a
tutela de uma criança, maior de três anos de idade, ou de um adolescente. A lei
só autoriza esses três casos. Os demais casos são adoção consentida (previstos
pelo Art. 166 do Estatuto) , por isso precisam ser investigados, o que demora
um pouco.
OF – Em
média?
EB – Os
casos do cadastro, demoram de trinta a sessenta dias. Se o pretendente se
inscreveu no Cadastro Nacional de Adoção, a criança existe e já está destituída
do Poder Familiar, é só chamar, é um processo de jurisdição voluntária que se
quer tem audiência. Um relatório psicossocial preparado pela equipe, em duas
visitas domiciliares, é encaminhado para o juiz e ele dá a sentença. Os
processos que demoram mais são aqueles que precisam de investigação e, mesmo os
mais demorados, passam, no máximo, seis meses.
OF – Como
a sociedade civil tem se juntado ao judiciário para avançar nessa temática?
EB – A
sociedade civil está fazendo a leitura do Estatuto. O Estatuto ficou na sombra
durante muito tempo, e parte dele ainda está na sombra, mas a sociedade tem
tomado conhecimento que a criança é sujeito de direito. Hoje, se uma criança
chora e o vizinho escuta, ele telefona para o Conselho Tutelar ou para a
polícia e denuncia. Coisa que não acontecia, há 10 anos, mesmo na vigência do
Estatuto. O estatuto completou 22 anos, no dia 13 de junho, porém, antes as
pessoas ainda não o compreendiam. Atualmente essa compreensão vem se
fortalecendo e a sociedade já entende que criança não é propriedade do pai e da
mãe, que ela é um feixe de direito e deveres e o Estado tem obrigação de
garantir esses direitos. Portanto, casos de crianças fora da escola precisam
ser denunciados, crianças na rua precisam ser levadas ao Conselho Tutelar. Não
podemos admitir criança na rua ou em ambientes para adultos desacompanhada
porque a lei proíbe. A consciência dos direitos da criança está transformando a
sociedade civil em parceira. É dever de todos (família, sociedade e Estado)
pelo Art. 227 da Constituição Federal garantir proteção integral a todas as
crianças e adolescentes.
OF –
Quais as atualizações mais marcantes no processo de adoção no Brasil?
EB – A
igualdade entre homens e mulheres. Agora o tempo da licença paternidade está
sendo autorizada no mesmo tempo da licença maternidade. Há uma decisão de uma
Vara Federal de Santa Catarina que já esta com vigência para todo o Brasil.
Outro avanço é a Lei no 12.010, que entrou em vigor no dia 3 de novembro de
2009. Essa lei determina que a criança não pode passar mais de dois anos na
instituição de acolhimento, o juiz tem que decidir a situação da criança.
Também temos o Art. 13 que determina que as mães grávidas que desejam entregar
seus filhos em adoção devem ser encaminhadas para o Judiciário. Lá, elas são
ouvidas e as crianças que elas vão parir são, imediatamente, encaminhadas para
adoção. Já temos crianças que são adotadas com trinta, sessenta dias de vida.
Isso era quase impossível antigamente. Os avanços trazem mais responsabilidade
aos juízes, promotores e aos Conselhos Tutelares em relação a permanência das
crianças nas instituições de acolhimento (os antigos abrigos). A criança não
pode ficar sem família. Quanto mais ela tiver acesso a uma convivência
familiar, seja biológica ou adotiva, mais o seu direito está sendo preservado.
OF
- Como o Judiciário se posiciona caso o prazo de permanência da criança
na instituição de acolhimento ultrapasse os dois anos?
EB – O
prazo de dois anos é para que o juiz defina a situação da criança. Mas se essa
definição, por exemplo, se trata de uma crianca mais velha que não volta para a
familia biológica nem vai para adoção, ela permanece no abrigo. Porém, a cada
seis meses, é feita uma reavaliação para indicar a situação pessoal, social e
familiar daquela criança. O que não pode é a criança ficar esquecida na
instituição.
OF – Como
o Direito tem acolhido a afetividade?
EB – Hoje
o Direito como Ciência tem acolhido muitos institutos da Psicologia, do
Serviço Social e das demais ciências, criando um ambiente
interdisciplinar. A afetividade tem sido para o Direito um elemento fundamental
no que diz respeito ao conceito de família. A familia está onde existe o afeto
e se pode ter uma vida saudável, família não é mais resultado do casamento. As
tradicionais funcões familiares – reprodução e a sucessão pelo patrimônio –
deixaram de ter importância e a afetividade ganhou seu devido espaço.
OF – Para
o âmbito jurídico, o que seria o mundo perfeito no processo de adoção?
EB – Não
há diferença do mundo jurídico para o mundo social, para o mundo religioso,
para o mundo filosófico, o mundo é um só. O mundo que pode se considerar
desejado (não sei se o perfeito) é aquele onde haja respeito entre as pessoas,
onde o meu direito termina onde começa o direito do outro e há tolerância sob
todas as ordens (religiosa, politica, social, científica, afetiva, amorosa,
sexual). As pessoas precisam viver em comunhão e harmonia. Amar ao próximo como
a si mesmo. Essa é a maxima da alteridade, da possibilidade de reconhecer-se no
outro perante todas as leis. Enfim, o mundo é um só e o mundo desejado
por todos é o de respeito ao próximo.
Fonte: http://observatoriofeminino.blog.br